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EDUARDO SILVA CAMPEÃO NACIONAL DE JUNIORES 2021

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Que me perdoem todos os nossos atletas que ao longo destes anos como dirigente, me proporcionaram tantas e tão boas alegrias. Mas ontem foi, seguramente, o dia que mais prazer me deu na minha ligação à modalidade e ao clube. Foi o culminar de um projeto cuja génese foi a revolta.

“Há três espécies de cérebros. Uns entendem por si próprios. Outros discernem o que os primeiros entendem. Os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros. Os primeiros são excelentíssimos, os segundos são excelentes e os terceiros totalmente inúteis”. – Nicolau Maquiavel.

O atleta Eduardo Silva sagrou-se Campeão Nacional de Juniores (81kg). Muito mais do que um mero resultado desportivo, foi uma longa história. Esta é mais uma diatribe (certamente longa e entediante) da minha autoria, do agrado de uns e incómoda ou dispensável para outros.

No final do treino da passada segunda-feira, o Eduardo perguntou-me; “Vais a Coimbra no sábado?”. Ao que eu respondi; “Vou e espero não vir de lá desiludido”. A conversa ficou por aqui. Ontem, pese embora aqueles que me conhecem e sabem que não exteriorizo muito as minhas emoções, fiquei felicíssimo. Constituiu para mim um gozo muito especial, observar tranquilamente a emoção e as lágrimas que a conquista do Eduardo gerou nos seus pais, no seu treinador que o acompanha há já 16 anos, nos nossos atletas e seus pais presentes no pavilhão do Colégio da Imaculada Conceição, em Cernache. Momentos únicos e inesquecíveis.

Pois bem, o Eduardo já em 2017 havia sido campeão nacional de cadetes (90kg), participando em estágios da FPJ. Numa dessas ocasiões ouviu de um técnico nacional, comentários depreciativos e que não lhe vaticinavam grande futuro na modalidade. Em 2018 foi vice-campeão do mesmo escalão etário e peso. Em 2020 conquistou o terceiro lugar no Campeonato de Apuramento da Seleção de Juniores (81kg). Nos últimos anos não tem sido convocado pela FPJ para qualquer estágio federativo, nem para nenhuma prova internacional. Aliás, tendo os dois primeiros classificados do CASN 2020 passado a seniores no final de 2020, em 2021 a FPJ emitiu convocatórias para Campeonato da Europa e Taça da Europa de Juniores, nas quais não incluiu nenhum atleta da categoria dos (81kg). Mas convocou para as mesmíssimas provas, um atleta dos (66kg) que no CASN 2020 se havia classificado em … nono lugar. Um critério que apenas pode ser compreendido num contexto de total ausência de decência.

Vamos lá a ver, como isto é na realidade. A esmagadora maioria dos judocas das classes de formação ou de competição, liquidam (esse ónus cabe geralmente aos pais) quotas aos clubes. Para além disso, todos nós sabemos os elevados custos associados à prática do Judo, entre despesas de seguros, aquisição de equipamentos, medicamentos, produtos especiais de nutrição, etc. De igual modo, a esmagadora maioria dos treinadores não trabalha “pro bono”. Compreenda-se, portanto, que não havendo pais a pagar as mensalidades, não há praticantes nem treinadores a serem remunerados. Daí que este tipo de critério incompreensível nas convocatórias e não convocatórias com origem na FPJ, geram mal-estar e podiam ser perfeitamente evitados. Os responsáveis da FPJ não deviam ter provocado este tipo de situação, premiando antes de mais o mérito dos atletas e respeitando o esforço de pais e encarregados de educação que, afinal de contas, é que são os verdadeiros municiadores da modalidade. No caso concreto do Eduardo Silva, os seus pais há já 16 anos que pagam ininterruptamente as mensalidades nos clubes por onde o seu filho passou, ao que acrescem todas as outras despesas já referidas. A justiça vale e valerá sempre mais que a incompreensão.

Conscientes dos factos acumulados e acima referidos, o atleta, seus pais, seu treinador, seus companheiros de treino e direção do clube, tomaram uma decisão. Nada tínhamos a perder. Se o desempenho do atleta no campeonato de apuramento 2021 (que nas edições anteriores ocorreram em março e fevereiro) de 13 de novembro não corresse da melhor forma, isso poderia ser, digamos, normal. Afinal de contas o atleta não havia beneficiado dos tão importantes estágios federativos nem acumulado experiência em torneios internacionais, tal como muitos outros o fizeram. Aliás, a última prova oficial em que participou foi precisamente o campeonato de apuramento para a seleção nacional de março de 2020 e no qual alcançou o terceiro lugar do pódio, perdendo um único combate com o adversário que foi disputar a final.

Mas o mais desafiante seria tentar conquistar o título de Campeão Nacional de Juniores (81kg) sem ter sido convocado pela FPJ para os trabalhos com o grupo da Seleção Nacional, não ter participado em nenhuma prova do calendário nacional (o Torneio Kiyoshi Kobayashi deste ano foi um recente exemplo) desde março 2020, nem ter aparecido por qualquer treino associativo ou algo que o valha. Sabíamos que tínhamos um atleta bestial. Faltava apenas transformá-lo numa … “Besta”. E foi esse o trabalho a que ele próprio se entregou de corpo e alma. Recordo-me, do dia em que estando o Eduardo a treinar musculação no ginásio do CDUP, a barra com 80kg escorregou das suas mãos e lhe esmagou o peito. Dois dias depois apareceu no dojo para treinar, tendo sido corrido dali para fora pelo treinador. Cumpriu exemplarmente com uma preparação rigorosa, transformando-se gradualmente num autêntico poço de força. Já em setembro, durante um randori no clube, foi por muito pouco que não fraturou uma clavícula. Como se tudo isto não bastasse, na semana da competição surge um imprevisto de enorme gravidade e que poderia impedir a sua participação. Na quinta-feira, um seu amigo chegado, morre de acidente. Nem o clube, seus dirigentes ou treinador, fizeram qualquer pressão para que o atleta competisse de forma forçada. Ele próprio é que havia de decidir. Na sexta-feira foi ao velório do amigo e, consternado, seguiu para a pesagem em Coimbra. A par de homens absolutamente insignificantes na sua moral e conduta pessoal, tive o prazer de conhecer alguns extraordinários. Os tais que infelizmente vão rareando numa sociedade cada vez mais vil e desregrada. O Eduardo Silva, que já conheço desde o tempo em que treinava no Boavista FC, o tal “puto” então gorduchito e com o rosto coberto de acne, tornou-se um deles. Vai continuar a ser bom em tudo que lhe vai suceder na vida. E bem o merece, contrariando os “analistas de bolas de cristal”, que concluem precipitada e erroneamente sobre o futuro de atletas que lhes vão surgindo pela frente.

Este trabalho de longos meses um contexto de pandemia, circunscrito às quatro paredes da casa do atleta, às das instalações do CDUP e durante o mês de agosto às do Juviana (Judo Clube de Viana do Castelo a quem agradecemos a colaboração e solidariedade) foi só possível com uma entrega e disposição quase inumana por parte do atleta. Recordo-me igualmente do dia em que informamos o Eduardo que ia passar a ser acompanhado pelo Dr. Jorge Silvério, uma das maiores referências da Psicologia Desportiva do nosso país. Foi muito desconfiado que lá aceitou trabalhar com esta famosa personalidade, licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto, Pós-graduação em Desordens da Ansiedade e do Humor pelas universidades de Maastricht e de Oxford e Doutorado em Psicologia do Desporto pela Universidade do Minho. Rapidamente se tornaram amigos e confidentes. Nunca no nosso clube questionamos o atleta ou o citado psicólogo sobre os assuntos abordados entre os dois. Na semana que passou, foi essa profunda relação que “salvou” a comparência do Eduardo no campeonato que eu (e muito mais gente) prefiro continuar a chamar de … Nacional. Mas isto dava seguramente outra história.

Obviamente, desconhecíamos o impacto que a tragédia da perda do amigo podia afetar o desempenho do atleta. Mas isso ficou muito bem plasmado. Venceu os quatro combates por Ippon, dois deles em menos de um minuto, um por volta dos dois minutos. Quanto ao da final, foi resolvido durante o tempo regular e em recuperação de uma desvantagem de Wazari. Os seus valorosos oponentes sentiram o Poder da Força Física, o Poder da Técnica, o Poder da Força Mental e Determinação de um “underdog” que vestiu o judogi como se de uma segunda pele se tratasse.

Surpreendeu tudo e todos, menos aqueles que o acompanharam durante estes longos meses, especialmente o Pedro Pinheiro, seu treinador, que logo terminado o combate da final, solta um autêntico grito de Ipiranga. Uma manifestação genuinamente espontânea, que ilustra a conquista de um objetivo com um atleta que há 16 anos o acompanha. Classifico o Pedro Pinheiro como o “Colin Chapman” do Judo da Região Norte. Tal como o então apelidado “bruxo” da Fórmula 1, tem detratores do seu trabalho, mas a realidade é que é o único a acumular campeões nacionais em todos escalões etários, entre outras muitas classificações de grande relevo. O Judo é um desporto muito exigente, onde a competência se manifesta desde as classes de formação até à transição e afirmação na alta competição. O sucesso dos treinadores confirma-se no número de alunos que integram as suas classes de crianças, e que depois manifestam o saber acumulado nas competições. Só com conversa não se consagram campeões, seja no Judo ou em qualquer outro desporto.

Para além do acompanhamento técnico e psicológico, há a salientar a sempre preciosa colaboração do excecional fisioterapeuta que se dá pelo nome de João Cunha, do não menos extraordinário grupo de trabalho do nosso pequeno e humilde clube, do CDUP onde dispomos de um dojo e ginásio dotado das melhores condições, dos treinadores que tal como o Pedro Pinheiro diariamente se esforçam por conquistar e reter crianças e jovens na prática do Judo. Só com um notável espírito corporativo se conseguem alcançar os maiores feitos.

Por fim, não menos importante, agradecer a confiança de todos os pais e encarregados de educação que confiam na estrutura da AD Judo Force para a formação desportiva dos seus filhos e educandos, bem como aos nossos apoiantes e patrocinadores que nos têm acompanhado durante estes anos, Câmara Municipal do Porto, Multiservices, JTM Group, F2car, Muti e mais duas empresas (uma delas multinacional) que nos requereram confidencialidade.

Pessoalmente e esperando que os meus companheiros de direção não me levem a mal, quero sensibilizar para o facto de ontem e no final da prova, me ter sentido tal como o Diego Armando Maradona na célebre conferência de imprensa que ocorreu há sensivelmente 12 anos e após ter derrotado na qualidade de treinador o Uruguai, apurando a seleção da Argentina para o Campeonato do Mundo de 2008.

Espero e desejo que o nosso clube continue a cometer belas proezas com este ou outros corpos dirigentes. O futuro pertencerá sempre àqueles que o queiram estabelecer. O passado já foi e há que produzir mais campeões. A esse respeito permito-me citar Francisco Lucas Pires, na época Ministro da Cultura de Portugal:
“Não quero heróis que orgiem sobre façanhas ultrapassadas”.

Muito boa tarde a todos e continuação de um bom domingo.
João Almeida
Presidente da Direção
AD Judo Force